sábado, 19 de março de 2011

A Vigésima Análise

Para Heitor, seus vinte anos.

Quantos anos vive um homem?
Quanto tempo carrega a face,
as costas
a cruz pesada?

Agora são vinte cruzes,
crucifixos da vitória.
São vinte fluidos
que não se fixam
todos eles infixáveis:
astutos correm soltos
entre os dedos do futuro.

Há sol a pino,
não é tarde.
Vejo grandes edificações
e a paz de suas sombras
de seus frutos
de seus medos

Em luta resistimos
sem o heroísmo dos resistentes.
Resistimos, somente
à vital batalha.

Lutou-se, com fastio, pela manhã.
E veio a manhã
a tarde, a noite
os entardeceres crepusculares:
Todos - não tardarão.

Nesse ínterim,
enquanto vivos, perguntaremos.
Conservaremos na alma a manhã,
na alma a noite,
a alma noturna.

No dia seguinte os frutos
maduros
se oferecerão submissos.
E ante a lâmina
incerteza da vida
haverá, tão somente,
a própria vida.

Vinícius Sado Rodrigues,
18 de março, 2011.


domingo, 6 de março de 2011

Perfume



Ele se encantou por várias flores, mas, talvez por algum feitiço jogado por algum invejoso ou mal afeto, sempre que ia cheirar os perfumes destas, elas em pó se transformavam. Tinha um dom, ou um anti-dom: conseguia destruir todas as flores em que tocava, todas que conseguiu um dia possuir. Quando pensou que com a rosa seria diferente, lá estava sua mão queimando a pobre florzinha. Racionalizou para si mesmo que com a dália não foi culpa sua. “Foi culpa dela”, dizia, talvez para tentar fazer com que ele próprio acreditasse nessa inverdade. Encontrou a magnólia, quando pensou que fosse o fim de tudo, e jurou que faria de outra forma, que dessa vez daria certo. Sua grosseria, seu modo bronco, rústico e insensível, entretanto, logo decepou a flor. Foi então que percebeu que amava demais todas as flores e que poderia viver apenas admirando-as, subentendido na distância. Assim as manteria vivas. Conseguiria manter-se vivo. Decidiu: ele decidiu, desde então se afastaria de todas as flores com as quais pudesse ter contato. Esconderia qualquer charme ou qualidade que por ventura pudessem encontrar encobertos em sua carcaça grossa e mostraria a todas apenas o seu lado desprezível. Nunca mais tocaria seu nariz nas pétalas, mas sempre sentiria o perfume das flores levado pela força do vento a vivificar seu coração.



terça-feira, 1 de março de 2011

Ferida Aberta

Não é da noite para o dia
Que se cicatriza a ferida
Que instalou-se no peito
Em hora distraída

Há de arder silenciosa
Igual a solidão andante
Antes que se desvaneça
Como um vulto distante

Há de se consumir pouco a pouco
Como instante trote lento
Até que se extinga
Num vôo rasante do vento

Da noite para o dia
Não se cicatriza a ferida
Que fez no âmago moradia

Há de rastejar risonhamente
Igual ao ordinário réptil
À caça do que lhe sacie o ventre