terça-feira, 31 de maio de 2011

Momento Difícil


   Falar em momento errado é partir primeiro da constatação da existência daquilo que possivelmente vem a ser um momento certo. Mas, afinal, o que é momento certo? A etimologia garante: certo é tudo aquilo que não seja dúbio, ou seja, certo algo próximo de seguro. Discutir tais divagações, enquanto um estudante de Direito, é algo no mínimo inseguro. Isto mesmo: inseguro discutir a segurança, talvez por esta ser termo tão caro às nossas idiossincrasias jurídicas e passar quase que despercebido a sua intersecção em nossa vida cotidiana, corriqueira. Mas, estamos progredindo: é certo que certo é seguro, claro, preciso, irmão gêmeo da verdade. Ora, tudo o que é verdadeiro, por certo, é certo.


   Tudo bem, vamos deixar um pouco de lado as secreções linguísticas, até porque esse texto não e nem pretende ser um trava-línguas. Concentremo-nos no importante: o momento! É quase chocante realizar um paralelismo entre as etimologias de “cérto” e “moménto”. Ora, ao passo que o primeiro denota uma gigantesca atmosfera de certeza e precisão, o segundo é derivado de instante, movimento, impulso, “um breve movimento de tempo ou duração de um simples movimento”. Um instante, algo que se desmancha no ar, tão leve, tão rápido, tão instável, tão impreciso. Como colocar, então, no mesmo balaio duas coisas tão discrepantes? Poderiam alegar os dialéticos tratar-se de exercício não muito difícil, mas aqui meu lugar de fala não é dialético, nem tampouco jurídico. Confesso que tais divagações poderiam ter surgido de uma longa discussão com algum professor de Direito Penal, por exemplo, na fútil tentativa de filosofar sobre um momento impreciso no qual algum indivíduo acaba por disparar balas e mais balas sobre o crânio alheio. Talvez mais digno se tornaria este texto se assim fosse sua gênese. Mas, não, vomito tais palavras por motivos estritamente pessoais, na vão lembrança de que por dentro de um medíocre estudante das ciências jurídicas reside alguém que ama, pensa, sofre, existe.



   Voltando no momento errado fica fácil apontá-lo como sinônimo de momento incerto, tal a proximidade axiológica entre errado e incerto, ora aquilo que não é certo, por suposto, errado. Eis aqui a grande magia das secreções linguísticas: incerto guarda consigo outra significação, além da natural aproximação com o errado. Incerto carrega também a ideia de insegurança, instabilidade, aquilo que no exato momento não pode ser mensurável, visualizável, arriscado. Não seguro, confuso, titubeante. E como sei o valor, ou melhor, a importância, da boa e velha segurança jurídica. Deixei de comprar meu ingresso do Rock in Rio e agora estou vagando a procura de algum. Não sei se animaria pegar um avião sem a certeza do ingresso na mão. A boa e velha segurança jurídica. Como o coração palpita momentos antes de tentar as vias de fato com a guria que lhe cerra os olhos. O que ela vai responder? Ela também está sentindo o mesmo ou é só nóia da sua cabeça? Ah se pudesse ler mentes, com certeza seria o rapaz mais corajoso e ousado deste mundo, nadaria de braçadas no universo da precisão. É chegar e... Talvez perderia o prazer, por que não? Freud já dizia: em toda dor há um misto fenomenal de prazer, a pulsão de vida acompanha quase que tresloucadamente a pulsão de morte. Talvez meu coração não se largaria a pulsar. Talvez. Trocaria um talvez por outro: talvez ela esteja sentindo o mesmo por você, babaca. Talvez.



   Cheguemos, então, em um ponto crucial: notem como seria cômodo nadar de braçadas na leitura dos mais inescrupulosos pensamentos sombrios das gurias por quem me interessasse. Isso, eis a palavra-chave, muito mais do que certo, errado, momento ou qualquer outra. Eis a palavra: cômodo. Voltando no nerdístico raciocínio do estudante-de-bem das letras jurídicas: ora, por que Direito? Já no terceiro ano, não vou titubear, dou a cara a tapa: para nos proporcionar uma (falsa) ideia de comodismo, de segurança. É muito mais cômodo viver numa sociedade em que se sabe que ninguém (aham, tá bom, senta lá...) irá bater em seu carro sábado a noite saindo do Taurinos. É muito mais cômodo chegar em uma guria em que se percebe a certeza do sim e do “viveram felizes para sempre” - ao menos o final da noite será, com toda a certeza, muito mais agradável, hehe.
   Momento difícil é momento errado? Não. Momento difícil é momento não-cômodo. É um momento de incertezas, inseguranças, imprecisões. É quando nos deparamos em frente de desafios, questões que nos são dadas para nos darmos conta que nem sempre é tão fácil respondê-las. O “dois mais dois” já ficou para trás e agora nos vemos diante de questões muito mais complexas, afinal, existir é complexo. Momento difícil é quando não sabemos o que esperar do outro, é quando cada dia é um dia diferente, com respostas diferentes, comportamentos diferentes. Difícil é tentar as vias de fato com a guria que prendeu nosso olhar e não sabemos se o nosso olhar também prendeu aquele lindo par de olhos. Difícil é viajar para o Rio sem um ingresso na mão. Difícil é fazer uma prova do Falconi sem fazer a mínima ideia de como será cobrado o extenso conteúdo. Difícil é brigar com um amigo, engolir o orgulho a seco e pedi-lo desculpas.
   Difícil é decidir não nadar de braçadas no mar da segurança jurídica. Momento difícil é o momento de se esquecer tudo o que foi acima dito e se arriscar. Dificilmente, existir.




quinta-feira, 26 de maio de 2011

Valsa, A Dois


Ao grande amigo, Wendel Rosa Borges.
Let it Be, deixe Estar. A dor passa e se eterniza em nossas lembranças.

Um belo dia o Existir se apaixonou. Ele, que sempre andava a esmo e vivia dizendo que não seria capaz, jamais, de se apaixonar, logo ele, caiu de amores. Olho no olho. Que olhos. Fixou, então, em uma ideia: desvendar o segredo por trás daqueles olhos de ressaca. Indeciso e inseguro, como sempre, ele passou a se indagar insistentemente se ela também estaria sentindo algo tão forte assim. Pensou que não, provavelmente não. Só ele seria tão louco ao ponto de, em tão pouco tempo, por tão pouco fundamento, se entregar tão tresloucadamente. Decidiu esquecer ela. Mas, esquecer o quê? Ainda não havia nada, e ele já se martirizando. Outra decisão: enterrar, afogar o sentimento. Porém, decisão por indecisão, prevaleceu o espírito sempre atordoado, e sempre que a via não conseguia: o coração se punha a disparar, a mão ficar gelada, a respiração ofegante. Decidiu, até que enfim, tomar a última decisão: iria botar seu coração para fora, entregá-lo a sua amada, talvez, quem sabe então assim ela cuidasse dele.
Mas ela era tão linda. Como o Existir foi se apaixonar justamente por ela, a Dor? Seus amigos o aconselharam, sensatamente, a olhar a Carolina, a gostar da Andrea, a se entregar a Laura. Não, ele não quis. Para o Existir havia só ela: a Dor. E mesmo que ela não soubesse, sequer desconfiasse, para ele já bastava saber que com ela estava tudo bem. Olhava-a de longe, com olhos de comer fotografia, sempre esperando que ela virasse num momento absorto, e retribuísse o olhar insólito. Ela nunca olhava, ele não se abatia. Um dia olharia...
Um dia a Dor olhou. Olhou e permaneceu estática. Como ele era lindo. Simples, perfeito. Em um momento imaginou que os dois poderiam ser só um. Um só. Encontrara o que há tempos estava perdidamente procurando. Ficou sem saber o que fazer. Por anos procurando e o que fazer quando a razão de tanta procura se constrói tão insolitamente em nossa frente? Decidiu não fazer nada. Ora, não faria nada. Era obrigação dele, como macho-alfa, acabar com o fardo de esperar. Ele, ele deveria dizer. Sabia que estava tão perto, mas por que não responder ao seu chamado?
O Existir se pôs a imaginar. Imaginou mil situações possíveis e impossíveis. Algumas trágicas, outras dignas de um célebre final de Hollywood. A realidade, contudo, não era mirabolante. O Existir era simples. O número grandioso, nas vias de fato, se converteu em um sofrido exercício de superação. O Existir superou a indecisão, a fraqueza, a covardia, o medo. A Dor aceitou o convite. Seria uma valsa.
Apenas uma valsa. Não era uma vida inteira. Não era um contrato oneroso. Não era uma obrigação indelegável. Não era um compromisso inalterável. Não era uma entrega completa. O Existir queria apenas uma pequena entrega. Que ela se entregasse ao desejo, não muito complicado, não muito difícil de perceber, desejo de pagar pra ver. Tão resoluta e certa de si, ela pagou pra ver. Ele merecia. Havia coragem e ele chegou nela. Havia medo e, aos poucos, com alguns passos de valsa, este se desfez. O Existir conheceu o sorriso da Dor, leu o seu olhar e a desestabilizou. Ela se entregou completamente, assinou tratados, contratos, contraiu obrigações. Perdeu o chão. Ganhou o amor. Ganhou um companheiro. Perdeu a solidão. A dois.
Desde então, conta-se a lenda, a Dor nunca mais se desgrudou do Existir. Sábia, deixou o rapaz viver sua vida tranquilamente, sem muito apego. Não queria sufocar. Mas, estava sempre lá. Logo depois dos momentos de maior felicidade, estava lá a acompanhar o seu amado. Perto de seu aniversário, em seu inferno astral, vinha e trazia aconchego e refúgio. Trazia, dialeticamente, um grande sofrimento, uma vontade de não-Existir. Consigo vinha, contraditoriamente, uma vontade louca de gritar e a triste constatação de que o grito não seria ouvido por ninguém. Gritar e não ser ouvido. É o presente de quem verdadeiramente ama: explicar, pacientemente, que, muitas vezes, gritar não adianta. Não adianta, então pra quê chorar? Calma, calminha, ainda não é hora de se desesperar. Cabeça no colo, diz: “calma, você ainda tem muito o que aprender”. E é sempre assim. Todas as vezes que o Existir vive intensamente e, no turbilhão de atividades e falsas ideias, acaba por esquecer sua essência, esquecer quem verdadeiramente é, vem a Dor e aperta o “stop”. Lava as feridas da vida, cicatriza as marcas da estrada.
Talvez por tamanha timidez inicial, por ter sido tão difícil romper com a natural limitação subjetiva, e pelos momentos juntos vividos, compartilhados, olhados, os dois se integravam de forma jamais vista antes. Assim é. E todo mundo diz que ele completa ela e vice-versa, que nem feijão com arroz. Agora sim, a última decisão: decidiram juntos, ser um só. Foi então que a dor se fundiu ao existir, e dele nunca mais saiu. Faceira, sempre aparece, trazendo sofrimento, trazendo purificação, catarse, epifania. É o que os mais sábios sempre dizem: Existir, dói.

Heitor Moreira de Oliveira, 26 de maio de 2011.



domingo, 8 de maio de 2011